sexta-feira, março 04, 2011

Aterro no Funchal

Há cerca de um ano, no dia 20 de Fevereiro, a catástrofe que se abateu sobre a ilha com chuvas diluvianas, deixou rastos que ainda hoje são visíveis. Uma das marcas que ficou no Funchal foi o aterro que, na emergência da situação, serviu para arrumar temporariamente a enxurrada de inertes que desceu da serra.
Passou um ano sobre essa data não tendo sido tomada nenhuma decisão pública sobre o destino dos milhares de metros cúbicos de inertes.
Entretanto apareceram duas posições radicalmente opostas relativamente ao aterro e ao seu futuro.

A primeira, apresentada pelo Governo Regional, ao que parece, feita em segredo e sem anúncio prévio há vários meses.
A segunda, em forma de protesto, que teve corpo numa ação de cidadania onde foi reivindicada a remoção do aterro.

A primeira, apresentada sob a forma de um desenho à escala 1:2.000, sugere uma obra megalómana, desenquadrada da realidade económica atual, sem que se adivinhem mais-valias compatíveis com o custo da obra, este subavaliado no anúncio do projeto. Tecnicamente, sem querer meter a foice em seara alheia, a dimensão do cais de acostagem de navios de cruzeiro, a sua localização uns 100 metros para dentro do porto, exposto aos maus ventos de sudoeste, junto à foz das ribeiras e a imprevisibilidade do comportamento hidrológico, afigura-se um proposta com danos colaterais incontroláveis.

A segunda posição é, na minha opinião, igualmente radical, mas de longe preferível à primeira. Propõe a remoção dos inertes e a reposição da praia de calhau e areia que existia até ao dia da catástrofe. Aproveita as obras para uma requalificação da Av. do Mar e o corte das amarras do triste barco/restaurante/bar Vagrant. Uma solução bem menos dispendiosa que a primeira, com o mérito de guardar a beira mar da cidade tal como a conhecemos.

À segunda solução não me oponho. À primeira terei que, em consciência, participar numa qualquer forma de protesto que ajude a travar tamanha enormidade e a ferida indelével nesta cidade à beira-mar plantada.

Mas é também em consciência e depois de alguma reflexão, que julgo haver uma terceira via. Aproveitando a maior parte dos inertes será possível consolidar o aterro com uma muralha que segue o alinhamento da muralha da marina criando aí um grande rossio. No seu final e antes das ribeiras será naturalmente criada uma praia, tal como a seguir aos pontões onde desembocam as ribeiras.

Há dois pressupostos em que se baseia a ideia que aqui é lançada. Por um lado é importante que a cidade mantenha a relação que tem com o mar a partir da Av. do Mar. Uma vista sem obstáculos sobre o horizonte atlântico, quase à cota 0. Um contacto visual não interrompido por mastros, barcos, chaminés, etc, como hoje acontece quando passamos por trás da marina. Uma relação natural como acontece na maior parte das cidades atlânticas, sem objetos estranhos pelo meio, como acontecia com balão panorâmico.

Outro pressuposto advém do fato da cidade do Funchal não dispor de muitos sítios planos, de lazer e fruição, com a área que o aterro possui. Amputado e mutilado que foi o aterro do Campo Almirante Reis, com a introdução do teleférico e o inusitado ‘jardim às ondas’, a cidade não tem no centro um rossio onde possam acontecer vários eventos próprios de uma cidade cosmopolita com tradição e modernidade.
Nesse terreiro que podia ser consolidado no sítio do aterro poderiam acontecer as festas do Natal com a feira e o circo ou um concerto no Verão, entre outros saudáveis acontecimentos urbanos. Sem construções, o terreiro poderia ser varrido por um ou outro temporal sem grandes perdas ou danos. Durante o ano, sem acontecimentos especiais poderia ser o sítio que dava lugar as uma espreguiçadeiras, uns jogos de bola, correrias com os miúdos ou uma bela passeata.

A par desta intervenção o monumento à Autonomia mudava para uma sítio mais digno, em frente à Assembleia Regional e o local onde agora está colocada daria lugar à escavação para alargamento da foz das ribeiras, enquanto que a passagem por cima da av. do mar seria feita por viadutos ligeiramente elevados para tornar realmente franca a foz de duas ribeiras que se revelam bravas quando há aluviões.

Esta ideia, expressa através do desenho, não deve ser confundida com um projeto. Esta seria a base para um concurso público de onde seria escolhida a melhor solução paisagística e urbanística.

Gostaria que esta proposta fosse encarada como base de reflexão dos funchalenses, mas sobretudo pelos atuais autarcas do Funchal que têm a obrigação de defender a sua cidade e o interesse público, que têm de zelar pelo carácter e identidade da sua cidade, pelos elementos que a tornam singular e por decisões que não hipotequem o futuro de uma cidade histórica como é o Funchal.

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